Só a leitura liberta!
Eretuse Rocha Araújo
“Quem somos nós, quem é cada um de nós senão uma combinatória de experiências, de informação, de leituras, de imaginações? Cada vida é uma enciclopédia, uma biblioteca, um inventário de objetos, uma amostragem de estilos, onde tudo pode ser continuamente remexido e reordenado de todas as maneiras possíveis.” (Calvino, 1990).
O Brasil pode ser considerado um país que lê pouco. É normal algumas pessoas justificarem o fato com o alto preço do livro, mas a falta de apego que o brasileiro tem com a biblioteca desmistifica essa crença. A falta de estímulo para a leitura nas pessoas também interfere na capacidade de reunir diversas fontes de informação, de formular seus próprios pensamentos e conclusões. Dentre as consequências, ocorre atraso no desenvolvimento da nação e o impedimento do exercício total da cidadania.
As diferentes leituras exigidas pelo cotidiano das pessoas não podem ser tratadas da mesma forma. Lê-se por puro entretenimento, para obter informações, para construir conhecimento etc. A formação de um bom leitor pode ser auxiliada pela criação de uma atmosfera de troca, de entusiasmo, de intimidade com o universo da cultura escrita, compartilhada por professores, pais, alunos e comunidade. É preciso oferecer propostas que garantem à sociedade um bom trânsito pelo mundo da escrita e experiências de encantamento com a leitura.
Ler é o único jeito de se comunicar de igual para igual com o restante da humanidade, seja no tempo, por meio de textos escritos por gente que já morreu, como Jean Piaget ou Willian Shakespeare, seja no espaço, ao ver em jornais, livros e revistas, o que acontece no mundo. É nos escritos que se desvenda outras culturas, que hábitos e histórias diferentes se revelam para a sociedade, que se compreende, de fato, o sentido da expressão diversidade (de idéias, vivências, sonhos, experiências).
Para muitos, a escola foi um espaço no qual a leitura era constante objeto de avaliação, em que a preocupação maior estava voltada para o correto entendimento do texto lido, como se existisse apenas uma interpretação, correta e esperada. Se os professores não forem leitores, dificilmente poderão compartilhar com seus alunos os mistérios, encantos e alegrias que se podem alcançar com a leitura, pois ela precisa ocupar o horário nobre da aula. Ajudar os alunos a ler, a fazer com que se interessem pela leitura, é dotá-los de um instrumento de aculturação e de tomada de consciência cuja funcionalidade escapa dos limites da instituição, pois só a leitura liberta.
Como dizia Paulo Freire: “A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta implica a continuidade da leitura daquela.” O ensino ideal, a educação ideal, que todos desejam, há de ser uma educação para a liberdade, já que é através da leitura que se pensa, analisa o mundo, se integra e se relaciona com os outros. Um ensino libertador, a libertação pela palavra, é esse o objetivo. Porém, a educação pode ser um instrumento poderoso tanto de emancipação individual como de subserviência à sistemas de governo. Tanto é libertação, como sujeição do indivíduo ao poder e às normas do Estado. E é nesse contexto que entra a reflexão filosófica, através de suas investigações, promove ao homem leitor uma consciência crítica a respeito dos valores que regem a sociedade na qual vive.
A filosofia é uma reflexão que busca compreender o sentido da realidade. Toda pessoa torna-se “filósofo” quando interroga o mundo de maneira específica, buscando compreendê-lo a fim de transformá-lo. Através do ato reflexivo e de leitura, pode-se efetivar a ação de educar, tornando-a um processo interno, que parte das necessidades e interesses individuais necessários para a adaptação ao meio. Pois a educação de que se precisa há de ser liberta pela conscientização, pela reflexão do sentido dessa educação em relação a existência. O ato de educar é, portanto, um trabalho sério e exige perspicácia de juízo, pois a cada dia se mistura a vida com educação.
O aprendizado hoje aponta para uma nova postura metodológica, difícil de implementar, pois exige a alteração de hábitos de ensino consolidados há muitos anos. Alterar o comportamento da escola e do professor, habituados por muito tempo ao aprendizado passivo exige uma consciência crítica e uma interpretação de tudo o que os rodeia.
Só é possível formar leitores ávidos e escritores criativos e perspicazes se o ato de leitura e o ato da escrita forem significativos para todos, educadores e educandos apaixonados, contaminados pela leitura e escrita. Afinal, só a leitura liberta!